OS BANDIDOS DE AMANHA
O menino e a menina vão pela calçada, ele com uma bola na
mão, ela com uma boneca no colo. É uma manha gostosa de sol, apesar de ser
ainda inverno, e os passarinhos alvoroçados esvoaçam de um telhado para o
outro, declarando alegremente seu nome: bem-te-vi. A pequena rua, encravada num
bairro miserável da periferia, identifica-se com a vida dos moradores: é
estreita e tortuosa. Por ela poucos carros passam. Aqui o progresso não chegou
e basta olhar para as casas mirradas e sujas para ter certeza de que ele não
chegará nunca. Ou talvez só venha no dia em que se transformarem em pó essas
construções rebeldes, levantadas sem engenheiro nem alvará.
Não são só os carros que não circulam muito por aqui. Também
o dinheiro é uma presença rara e sua pouca assiduidade se reflete em toda
parte, na quitanda de azulejos que podem ter sido azuis ou marrons quando era possível
ver a sua cor, na padaria empoeirada, na farmácia de aspecto doentio, nas
pessoas e em sua roupa
Se estivessem em um bairro menos desafortunados e em vez de
ser uma manha de setembro fosse uma tarde de fevereiro, o menino e a menina que
vão pela calçada poderiam ser confundidos com um casal de espantalhos indo para
um baile de carnaval.
Tudo neles, ate a bola e a boneca que levam, tem uma marca
de segunda mão. E os dois meninos que andam pela mesma calçada, 10 metros atrás
não destoam. São dois promissores projetos de mendigo embora queiram passar por
malandros. Eles se aproximam, com seus pagos gingados, do menino e da menina. A
um metro dos dois, cobrem rapidamente o rosto com mascaras feitas de meias de
náilon, põem a Mão no bolso e no instante seguinte, já encostam o revolver na
nuca das vitimas. Seus gritos arrepiam:
- Boca fechada e vão passando tudo que vocês têm! Rápido!
Rápido, senão a gente estoura a tampa da cabeça de vocês!
Motoristas e pedestres, sem ação assistem a todos os lances
do roubo. Os assaltados entregam a bola, a boneca e outras quinquilharias um
pião e uma bolinha de gude que saem do bolso do menino, um colar já quase sem
contas que um dos pequenos bandidos arranca do pescoço da menina. Os assaltantes
enfurecem:
-É só isso que vocês têm? Cambada! Cadê o dinheiro? Cadê? Ou
espirra já essa grana ou nós vamos esvaziar o revólver em vocês!
Um homem cria coragem e resolve tomar uma atitude. Grita com
os assaltantes, exige que deixem em paz as vítimas. Seus gritos e sua ordem são
recebidos com gargalhadas, tanto dos assaltantes quanto dos assaltados.O homem
descobre, então, que era tudo brincadeira, quando ficam os revolveres de plástico
e, por isso, há no rosto da menina uma satisfação que não havia quando ela
estava com a boneca. O menino também esta mais feliz do que com a bola.
Divertem-se assim as crianças sem lar e sem escola da
periferia.
Montam todo dia, para os olhos indiferentes da sociedade, a
peça de sua carência e desamor. Algumas terão sorte, esquecerão a infância. As
outras serão aquelas que amanhã ou depois no mandarão parar em um lugar
qualquer desta cidade. Nesse dia, suas palavras não serão de brincadeira e suas
armas não serão de plástico.